sábado, 17 de novembro de 2012

A TDT em Portugal

Nas últimas semanas tem sido debatido um tema que, infelizmente, a muitos tem escapado. Digo isto, porque na minha opinião ele devia estar na ordem do dia, na ordem da polícia e na ordem dos tribunais!

O tema é a tese de doutoramento de Sérgio Denicoli, investigador da Universidade do Minho que dissertou sobre o processo da implementação da televisão digital terrestre em Portugal. Ao longo dos últimos cinco anos, a televisão em Portugal sofreu uma mudança radical, passando da transmissão analógica para uma transmissão digital, mais eficiente e que permite libertar espectro electromagnético para outro tipo de transmissões.

Esta mudança, em si, não é trivial: envolve a necessidade de adquirir equipamento novo que descodifique o sinal digital para quem não teria já televisão por subscrição. Estes equipamentos tem custos que podem ser elevados e cuja compra e instalação é especialmente difícil para quem tem pouco dinheiro e poucos conhecimentos de tecnologia, como por exemplo a população mais idosa.

A verdade é que esta mudança foi acompanhada de indícios claros de corrupção entre a entidade que ganhou os concursos públicos para a implementação da TDT (a Portugal Telecom) e o Estado, por via da agência reguladora do processo (a ANACOM), o que conduziu a monopólios de mercado para a PT e a um péssimo serviço de televisão para os portugueses, como se descreve de seguida.

Denicoli levanta uma série de pontos em que o processo de implementação foi o mais peculiar possível e que são sucintamente elencados de seguida:


  1. A Portugal Telecom venceu (sem oposição) o concurso para emitir os canais abertos generalistas no multiplex A. (O multiplex é um canal digital que permite a transmissão de vários canais de TV em simultâneo). Além disto, venceu ainda o concurso (a uma empresa sueca) para a emissão de outros canais nos multiplexs B a F. Porém nunca chegou a implementar a emissão nestes canais e ainda recebeu de volta a caução dada como garantia de instalação do sistema. Desta forma, foi impedida a existência de competição nas emissões TDT.
  2. O apagão do sinal de televisão analógica ao longo de 2012 implicou a criação de zonas de sombra, isto é, zonas geográficas que o sinal terrestre não alcançava. Porém, isto não foi um problema para a PT, pois além de no processo de concurso, ter proposto um modelo de difusão do sinal que criaria áreas de sombra mais elevadas, garantiu ainda em concurso que teria o monopólio da instalação de sistemas de receção por satélite, mais caros, aos consumidores onde o sinal não chegava. Isto apesar de ter sido uma desvantagem para quem vivesse numa zona de sombra, pois acabou por ter de pagar mais pelo mesmo serviço, não foi uma desvantagem para a PT, que impingiu o sistema MEO aos consumidores, o que certamente contribui para um aumento de 185% de clientes em 2 anos.

  3. Além do claro conflito de interesses descrito no ponto anterior, os habitantes das zonas de sombra (sobretudo população rural, mal informada) foram ainda mais prejudicados, pois a PT bloqueou a receção por satélite aos quatro canais generalistas, quando na realidade estes consumidores estariam perfeitamente habilitados a receber dezenas de canais extra.

  4. Ao garantir o monopólio de transmissão terrestre em Portugal, a PT impediu ainda que as autarquias tenham a possibilidade de efetuar retransmissão do sinal e diminuir as áreas de sombra. Contribuindo isto para o acumular ainda maior da PT, por ter um mercado maior a quem vender o seu próprio serviço de TV por subscrição, o MEO, onerando ainda mais os subscritores,

  5.  Na sua tese, Denicoli relata também a forma como existia um fenómeno de porta giratória entre o regulador (ANACOM) e o regulado (PT). Isto é, existiu troca de cargos recorrentes entre os órgãos da PT e da  ANACOM. Reguladores que passavam para o lado do regulado e vice-versa. Isto dava carta branca à PT para fazer o que bem lhe apetecesse relativamente à expansão do MEO e à implementação da TDT, já para não falar da aproximação da empresa aos partidos do arco do poder: PS e PSD que, espantem-se!, possuem uma rede de influências que nomeia os elementos do conselho de administração da ANACOM. Desta forma, os interesses privados viram-se sobrepostos aos interesses públicos, estes, que a entidade reguladora nunca se dignou a defender.

  6. Como nota final, chega-se à simples conclusão que a implementação da TDT em Portugal foi magistralmente orquestrada para financiar e facilitar um grupo de telecomunicações, em detrimento dos consumidores que se viram resignados a um dos piores e mais caros serviços europeus de televisão terrestre e que ficaram impedidos de usufruir das vantagens que a tecnologia oferecia.

A PT ficou logo abespinhada com a escrita da tese, e pois claro que ficou, porque ai de quem neste país toque um milímetro que seja nos interesses instalados e na política de acumulação à custa do Estado e dos consumidores. Algo muito mal está a acontecer neste país e enquanto as políticas de compadrio e de aproveitamento subsistirem, a nossa democracia nunca atingirá o grau de maturação das democracias ocidentais.

Este caso é, como a PT indica, para os tribunais, com a diferença que é ela e a ANACOM que se devem sentar no banco dos réus.












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